REPORTAGEM ESPECIAL

ELAS NO TRANSPORTE: MAIS FORTES QUE O MUNDO!

Participação das mulheres cresce no transporte rodoviário de cargas. Elas conduzem brutos de milhões e também dirigem grandes transportadoras, entidades e montadoras

10/01/2022 08h58Atualizado há 2 anos
Por: Romulo Felippe
Vanessa Pilz
Vanessa Pilz

 

A presença feminina no mercado de trabalho tem sido pauta de discussões nos mais diversos setores, inclusive no transporte rodoviário de cargas (TRC). Em sua pesquisa mais recente, o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) estimou aproximadamente 2,3 milhões de trabalhadores no segmento em âmbito nacional, valor do qual apenas 17% são mulheres. No entanto, elas têm assumido mais cargos de liderança nos últimos anos em um panorama geral. 

 

De acordo com a Relação Anual de Informações Sociais (RAIS), um relatório de informações socioeconômicas demandado pelo Ministério do Trabalho, a ocupação de cargos de gerência e de diretoria no setor formal por mulheres entre 30 e 49 anos aumentou de 32,3% e 31,9%, respectivamente, para 39,2% e 42,4% de 2003 a 2017. Vale ressaltar que o Índice de Igualdade de Gênero do ano anterior indicou que, das 325 empresas pesquisadas, 39% possuem metas públicas para aumentar a liderança feminina. 

 

Vanessa Pilz, diretora comercial e de ESG da Reiter Log, é um exemplo da força da mulher no segmento. Ela é uma das peças mais importantes da empresa gaúcha, que registrou este ano a mais fantástica transição de foco para a transporte sustentável: a compra de 124 caminhões movidos a gás, todos da Scania. O investimento foi superior a R$ 1 milhão. O modelo escolhido foi o R 410 nas trações 4x2, 6x2 e 6x4. 

 

“Passamos a negociar de outra forma com a frota mais sustentável. Estamos com diversas transações em andamento e oferecendo a clientes do portfólio, a novos e também recebendo demandas. Temos uma carteira bem diversificada de clientes de todos os tamanhos, pois atuamos tanto na carga lotação quanto no fracionado. Desde grandes multinacionais, com matrizes seguindo metas de redução de emissões dos pactos globais e ESG, e que representam mais da metade dos contratos, até embarcadores nacionais já valorizando este novo frete”, explica Vanessa Pilz. 

 

A diretora, símbolo da força feminina no transporte de cargas, comanda o maior projeto de transportadora sustentável do país.  “Nos reunimos com os clientes e montamos a estratégia a quatro mãos, dentro de cada realidade. São várias opções de contrato para focar na maior produtividade e na agilidade. Já percebemos que teremos um caminho a desbravar. Estamos mostrando que a melhor alternativa é não encarar como um custo logístico, e sim um projeto de sustentabilidade. Estamos otimistas”, conta a diretora comercial e de ESG da Reiter Log.

 

São vários os exemplos de mulheres que atuam sejam no pátio da transportadora, sejam na boleia. Uma realidade que só faz crescer. A executiva Ana Jarrouge atua há mais de 20 anos e vê grandes mudanças neste cenário. "As entidades de classe eram, sem dúvida, um ambiente dominado pelos homens. Entretanto, percebo que aos poucos as mulheres estão se interessando e gostando de participar quando são convidadas e apresentadas ao universo do associativismo. Os ganhos e os benefícios são de fato enormes, pois neste ambiente compartilhamos ideais, conhecimento e muitos desafios ", explica. 

 

A executiva também destaca que, mesmo que em um ritmo menos acelerado que os homens, as mulheres estão assumindo mais posições de liderança nas entidades. "Em nosso segmento, temos alguns exemplos de grandes mulheres que já ocupam cargos na presidência ou na vice-presidência. Temos como exemplos a Tania Drummond, vice-presidente da Federação das Empresas de Transporte de Cargas do Estado do Rio de Janeiro (FETRANSCARGA); a Roseneide Fassina, vice-presidente do Sindicato das Empresas de Transporte Comercial de Carga do Litoral Paulista (Sindisan); e a Nazaré Cunha, presidente do Sindicato das Empresas de Logística e Transporte de Cargas do Estado do Acre (SETACRE), entre outras que ocupam cargos nas diretorias", afirma. 

 

Observando a importância de uma maior participação feminina no setor, Ana Jarrouge teve a iniciativa de idealizar um projeto voltado para a inserção de mais mulheres no transporte de cargas, principalmente nos cargos operacionais, que contam com uma aderência menor do gênero feminino. Assim nasceu o Vez & Voz - Mulheres no TRC, que foi prontamente abraçado pelo Sindicato das Empresas de Transportes de Cargas de São Paulo e Região (SETCESP). 

 

"Hoje diversas entidades, como a Federação das Empresas de Transporte de Cargas do Estado de São Paulo (FETCESP), a Associação Nacional do Transporte de Cargas e Logística (NTC&Logística), a Federação das Empresas de Transporte de Carga e Logística no Estado de Santa Catarina (Fetrancesc), a Associação Nacional dos Fabricantes de Implementos Rodoviários (Anfir) e o Sindicato Nacional das Empresas de Transporte e Movimentação de Cargas Pesadas e Excepcionais (Sindipesa) já assinaram convênio conosco, o que dá muito mais visibilidade e credibilidade ao movimento", completa. 

 

Jarrouge reforça que é preciso tratar sobre esse assunto em primeiro lugar para que as entidades percebam e entendam a necessidade da adoção de políticas de inclusão e equidade de gênero, pois apenas falar para o público não é o suficiente. Para isso, a executiva aponta que o caminho é traçar objetivos e metas, formando uma rede de apoio por meio de parcerias, para então colocar essas políticas em prática. "Não basta dar a cadeira; há que se criar um ambiente verdadeiramente inclusivo onde as mulheres se sintam plenamente à vontade para falar, para contribuir e para trocar conhecimento e experiências", ressalta Ana Jarrouge. 

 

As expectativas para o próximo ano são positivas, reflete a executiva. "Espero que nosso movimento se espalhe rapidamente e que as mulheres se inspirem em diversos exemplos para ocupar suas cadeiras em nossas entidades, contribuindo para o desenvolvimento constante e sustentável do nosso setor. Elas já estão nas empresas, então agora é só mais um passo para irem para nossas entidades, passo este que, afirmo categoricamente, só traz benefícios e evolução", completa. Ela atualmente ocupa o cargo de presidente executiva do Sindicato das Empresas de Transporte de Cargas de São Paulo (SETCESP) e de diretora na Confederação Nacional dos Transportes (CNT).

 

Faiçal Murad Filho, diretor-presidente da Raça Transportes, é dono de uma frota composta por mais de cem caminhões pesados e quatro vezes mais carretas. São quatro mulheres guiando seus brutos, e esse número tende a crescer muito em 2022. Este ano ele preparou um Volvo FH 540cv cor-de-rosa para a motorista Mere Deime. “Temos posições abertas e um número de vagas sem limites para mulheres”, anuncia.

 

“Vamos dar mais oportunidades para as mulheres que atuam no transporte. Queremos estimular o público feminino a trabalhar com caminhões, uma profissão muito importante para a economia brasileira. Estamos muito contentes com o desempenho de nossas motoristas”, diz, ao lembrar de alguns dos atributos delas: “São ótimas profissionais, cuidadosas com os veículos, caprichosas na limpeza e manutenção e têm muita preocupação com a segurança nas estradas”.

 

Andriara Fontes da Silva não é um dos exemplos de caminhoneiras autônomas que rodam de Norte a Sul do país, mas também administrada um poderoso grupo de WhatsaApp que compartilha experiências femininas no diesel no sangue e na paixão estradeira.  “Eu amo caminhão. A inspiração vem do meu pai, que é caminhoneiro. O maior incentivo veio dele”, diz ela, que tem 24 anos, é casada com o Jeferson e mãe do Arthur Gabriel. “A mulher pode ser o que quer, então pode ser caminhoneira. É só batalhar que consegue”.

 

Dentro das montadoras os exemplos são muitos. Recentemente, Alejandra Vago assumiu a responsabilidade pela gestão de pessoas no Grupo Volvo América Latina, que inclui a fábrica em Curitiba (PR), além de escritórios e demais operações da marca na Argentina, Chile, Peru e Colômbia. Além da responsabilidade por toda a estratégia e gestão da área de recursos humanos, Alejandra estará à frente também das áreas de saúde, segurança e meio ambiente, dos programas de responsabilidade social corporativa da marca, bem como da associação dos empregados da Volvo no Brasil.

 

“É uma grande honra ocupar essa posição e igualmente um estimulante desafio, tendo em vista a excelente reputação da gestão de pessoas da Volvo na América Latina. Espero contribuir para avançar ainda mais em nosso clima organizacional inspirador, reconhecido dentro do Grupo Volvo e também por instituições externas”, afirma Alejandra Vago. Com mais de 6 mil funcionários na América Latina, sendo 3,8 mil em Curitiba, nos últimos anos a Volvo foi eleita diversas vezes como a melhor empresa para trabalhar no setor automotivo do Brasil.

 

Nascida em Buenos Aires, Argentina, Alejandra iniciou na Renault Trucks, marca do Grupo Volvo, em 2010. Em seu país de origem, ocupou posições diversas até chegar à diretoria de RH, atuando ativamente na integração cultural entre Renault Trucks e Volvo Trucks na Argentina. Em 2017, assumiu novos desafios na matriz da Volvo em Gotemburgo, Suécia, liderando projetos mundiais de recursos humanos. Sua última posição foi a de diretora global de engajamento, diversidade e inclusão.

 

A década de 1960 marcou o movimento de emancipação feminina. E também a vida de Claudete Colombo Caveagna, então na faixa de 30 anos: ela decidiu deixar as três filhas pequenas em casa para trabalhar com o marido José Augusto Caveanha na transportadora que fundaram. “Ele precisava de alguém de confiança para cuidar dos pagamentos, mas vi que havia muito a organizar e tantos processos para padronizar, que resolvi ficar”, conta.

 

A Apolo Transportes, que recebeu esse nome em homenagem ao voo espacial tripulado que fez o primeiro pouso na lua, em 1969, decolou sob o comando de Claudete. “As pessoas estranhavam encontrar uma mulher chefiando o escritório. Mas nunca liguei: sempre fui firme e fiz as coisas do jeito certo. É preciso se posicionar, sem medo. É assim que a gente vence nos negócios e na vida”, conta a matriarca e empresária.

 

Aos 85 anos, Claudete construiu um legado de liderança feminina em sua empresa. Viúva nos anos 1990, preparou também as filhas para dirigir a Apolo com ela. Este ano somou mais dez caminhões VW Meteor de sua frota, junto das filhas Maria Lucinda e das gêmeas Ana Claudia e Ana Silvia, que fecham o quadro de sócias da empresa. “Nem sempre foi fácil, nossos primeiros caminhões eram usados e financiados. Mas sobrevivemos aos momentos econômicos mais difíceis do país. Hoje é uma alegria ampliar a frota com novidades como essa”, conta.

 

Alexandre Lealdini, neto de Claudete, é sobrinho de Ana Cláudia, diretora da Apolo. Ele chegou ao longo de 2021 com a missão de seguir com o legado, o que exige muita responsabilidade. “Tenho exemplos de liderança feminina que prima pelos detalhes e pelo cuidado com os colaboradores, que são como nossos familiares. São os nossos motoristas que estão na estrada, cuidando do transporte com segurança e representando a empresa. Por isso temos campanhas internas de premiação, com foco principal na direção segura”.

 

E assim, dentro ou fora da boleia, a força feminina vai conquistando o transporte rodoviário de cargas no Brasil. Se as mulheres hoje ocupam pouco mais de 17% dos cargos no segmento, o futuro está em aberto e promete um crescimento fenomenal dessas líderes e guerreiras por todos os cantos de um país continental.

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